quinta-feira, 19 de janeiro de 2023

SARAUZINHO DA CALU- TUDO TEM SEU TEMPO...

 Josy Acosta é mulher negra, mãe, candomblecista, atriz, 

professora de teatro e pesquisadora de teatro negro.


No dia 20 de outubro de 2019, pude assistir na sala do coro do TCA o “Sarauzinho da Calu”, espetáculo infanto-juvenil inspirado no premiado livro “Calu, uma menina cheia de histórias” (Editora Malê), de autoria de Cássia Vale e Luciana Palmeira, com prefácio de Lázaro Ramos. Cássia Valle assina também a direção da montagem que conta com a codireção de Leno Sacramento e direção musical de Cell Dantas. Um espetáculo musical que une a expressividade dos atores/atrizes jovens/adultos em diálogo com a atriz mirim Ayana Dantas.

Este texto chega com 3 anos de atraso, pois estava ocupada com tantas coisas: gestação, casamento, pandemia, separação, desemprego, posse em cargo público 40h, maternidade solo, iniciação no candomblé. Mas, voltemos ao espetáculo. Quando assisti à apresentação, estava com 8 meses de gestação, havia finalizado a defesa da minha dissertação de mestrado e fiquei muito feliz não só com o protagonismo negro em cena, mas com uma criança negra no palco, cheia de desenvoltura e diversas na plateia, felizes e interagindo com os (as) artistas. Lembro que na época fiz anotações sobre a peça, gravei áudio das canções durante o espetáculo, mas infelizmente perdi meu bloquinho de anotações e os arquivos em áudio gravados no smartphone. Desde então, fiquei em dívida com Cássia Valle e sua produção. Mas acredito que tudo tem seu tempo e se escrevo agora é porque assim deveria ser.

Uma banda ao vivo executa a trilha sonora do espetáculo, em uma época de bombardeio tecnológico quando mães e pais levam sua crianças para assistir ao Sarauzinho da Calu o tempo se transforma, pois no aconchego do teatro famílias se unem, as telas não estão presentes não mãos dos pequenos, ali as crianças acompanham com atenção cada movimento e os adultos, provavelmente, revisitam brincadeiras da sua infância, enquanto as crianças podem ver possibilidades de brincar. E neste ponto a direção é assertiva, pois o cenário além de bonito, lúdico, traz elementos cênicos funcionais, através das ações dos artistas os objetos transformam-se com fluidez diante dos nossos olhos, um elenco afinado que assim como crianças, brincam.

Ao meu olhar de atriz, candomblecista e pesquisadora de arte negra, chamou atenção o fato de o banco da narradora ser médio e dos demais personagens serem pequenos.  No terreiro chamamos os bancos pequenos de apoti, é nele que sentam aqueles que são recém iniciados. Sentamos para aprender, para ouvir, estamos em um nível diferentes porque adultos somos da porta para fora, mas antes de atingir certa idade dentro da comunidade religiosa de matrizes africanas, somos crianças. E Calu, como é dito o tempo todo é a menina Griot, portanto é uma mais velha, uma sábia, uma contadora de histórias. Cabe destacar que este recurso do banco, acredito eu que também sirva para valorizar a presença da atriz mirim, pois desta forma ela é colocada em primeiro plano.

Foto: Carolina Galmora
Foto: Carolina Galmoura

O espetáculo mostra as crianças a possibilidade de, assim como Calu, colocar a criatividade no bloquinho de anotações, de ler as histórias e imagens presentes nos livros. Aliás, você lê para sua criança? Quais histórias você lê? Você inventa histórias para sua criança ouvir, quais são os nomes das personagens? Você consegue parar o tempo e apreciar os desenhos que sua filha/filho faz?

O Sarauzinho da Calu rompe com o habitual da cena infantil, na qual, geralmente, artistas negros são poucos presentes, onde a personagem principal é loira ou tem longos cabelos lisos, não há adultos dentro de grandes bonecos (fantasiados) de personagens que estão em destaque na internet. Mas então a peça serve apenas para as crianças negras? Não, pois é um convite a diversidade, visto que a criança não negra pode perceber que o cabelo da coleguinha é tão bonito quanto o seu, serve para os pais que acompanham suas crianças conhecerem personalidades negras que fizeram e fazem histórias, e juntos com nossas crianças, vislumbrarmos uma sociedade mais igual, com menos preconceito e respeito as diversidades. Afinal, a criança de hoje será o adulto do amanhã.

Maisha Bárbara- acervo pessoal

Calu é alegria, musicalidade, identidade e orgulho ancestral. E durante a Bienal do livro da Bahia 2022, isso se comprovou pra mim, pois o primeiro stand que entro com minha filha Maisha (3 anos) ela foi correndo, pegou um livro e disse: “eu quero esse mamãe, ela se parece comigo”. Quando olhei a capa, estava lá: Calu uma menina cheia de histórias. Com certeza era essa menina griot, esse erê chamado Calu, lembrando-me que eu ainda precisava falar sobre ela. E assim o fiz.

Maisha Bárbara arquivo pessoal.



















Foto: Patrícia Souza Studio

FICHA TÉCNICA DO ESPETÁCULO:

O elenco conta com Kelly Ribeiro, Clara Cardoso, Naira da Hora, Juliana Luz, Vagner de Jesus e a atriz mirim Ayana Dantas, além dos artistas colaboradores Merry Batista, Marquinhos Dede, Shirley Sanveja, Nine Vieira . A direção do Sarauzinho é de Cássia Valle, codireção Leno Sacramento, produção da DiPreta, direção musical de Cell Dantas, iluminação Rivaldo Rio e Fotografia de Fafá.


Salvador, 19 de janeiro de 2023.


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