quinta-feira, 25 de agosto de 2011

ENTREVISTA COM ANGELO FLÁVIO


ATO ARTE NEGRA REBELADA
Fórum Estadual de Performance Negra da BahiaAmanhã, sesta - 26de agosto, às 13:30 Escadaria do Gerônimo - Paço (Concentração)

Convite à leitura e sugestão de pauta:
entrevista exclusiva com o incrível ator, diretor teatral
e ativista do movimento social negro Ângelo Flávio!

Para ler a entrevista na íntegra, acesse:www.gramaticadaira,blogspot.com ou
Se alguém quiser reproduzi-la será lindo!Se quiser o arquivo-word pede aí que eu mando!

ATO “ARTE NEGRA REBELADA” / ENTREVISTA/ Ângelo Flávio/ Fragmentos

por Nelson MacaNum misto de respeito e admiração, alegria e comoção, conversei com o consagrado negro ator, diretor e ativista soteropolitano Ângelo Flávio. Às vésperas do ATO ARTE NEGRA REBELADA, que acontece amanhã (26/08/20011) no centro Histórico de Salvador, ele nos fala de sua condição e da sua arte na cultura local e nacional. Comenta as razões de ter convocado esse ATO de reflexão interna e tentativa de retomada de diálogo com a Secretaria de Cultura do Estado da Bahia. Artista inquieto, ativista combatente e ser humano sensacional, Ângelo Flávio não perde a esperança e nunca deixa de lutar pelo que acredita.  Apesar de jovem, ele já aparece na nossa história como mais um caso de grandes artistas do teatro baiano e brasileiro injustiçado pelas políticas culturais que insistem em negar hostilizar ou simplesmente invisibilizar as produções artísticas com fundamentos e linguagens divergentes centradas em matrizes africanas e da diáspora negra. Mas toda a indignação de Ângelo Flávio, como as de outros que viveram e vivem seu negro-drama ao transitar na condição do “outro-estranho” pelo racismo brasileiro – popular e institucionalizado - se transforma em arte e rebeldia. Sempre. Nem elogios eloquentes nem prêmios da casa grande conseguem dobrar esse moço que, definitivamente, não nasceu para aceitar ser o “negrinho” que deu certo se, para ser aceito simbólica e materialmente (como ainda não foi), tiver que ser cordial, submisso ou então cego, surdo e mudo (aos dramas de sua comunidade) para se firmar e manter nas luzes da ribalta.  As amarras de seus pés, mãos e mente foram desfeitas pela sua compreensão da força e efetividade do movimento negro.  É comovente vê-lo falar da importância dos blocos afros e afoxés em sua adolescência. Não era de se esperar menos de alguém recebido com afeto familiar na própria casa de Abdias Nascimento, para um almoço que celebrava a alegria do encontro e, ao mesmo tempo, a continuidade da resistência do Teatro Experimental do Negro. Compartilhar lágrimas e risos pelo nosso povo tão violentamente tratado neste Brasil chamado Exclusão que herdamos historicamente foi o que aconteceu lá na casa do Mestre Abdias. E é que acontecerá no ATO ARTE NEGRA REBELADA. 

África - One People - One Love!!


Pergunta - Sendo um artista consagrado nos palcos da Bahia e do Brasil pelo exímio trabalho - de equilíbrio técnico, estético e ideológico – qual seria a seu ver essa falta de “amparo” que você e outros artistas do seu porte sofrem no Estado

Ângelo Flávio - Gentileza sua. Vou responder isso com uma pergunta. O que faz com que estados como o Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e São Paulo contratem meu trabalho artístico e Salvador não? Eu nunca fui convidado para dirigir uma leitura dramática na terrinha. E isto é político!! O que penso e proponho artisticamente ameaçam o tráfico de influência e o clientelismo que imperam no setor cultural e sócio-econômico em nosso estado e poaís. Todos os meus espetáculos eu investi verba independente para produzi-los. Zigmunt Bauman está aí para elucidar a construção das redes e a liquidez das relações . Luto por uma rede que ainda está desassistida sócio-economicamente, e pago um preço alto por isso. O mundo parece me dizer não se pode lutar contra o sistema. Insisto e digo: me deixem ao menos sonhar.

Pergunta - Por que você optou por ser um artista “militante” mesmo sabendo o quanto essa escolha “atravanca” sua carreira artística

Ângelo Flávio - É o que me pergunto todos os dias. (risos) Acredito que seja espiritual. Eu fico profundamente mal quando vejo um mendigo, quando vejo a cara da fome e do abandono social. Quando vejo o futuro dilacerado nos olhos de uma criança. Eu vejo e o que vejo me dói, então eu grito. Meu grito é humano e minha ação que é militante. Nada me atravanca, estou em fluxo. Podem cessar o fluxo do acesso ao capital - como têm feito - mas não podem atravancar o fluxo da libertação, da emancipação da consciência. Acredito que do mesmo modo que houve uma organização para extrair do povo os seus direitos primordiais à vida digna, levando-os a miséria absoluta, temos o dever de nos organizar, para garantir uma vida cada vez digna para todos e todas indiscriminadamente.

Pergunta - O que representa a Arte Negra para a Bahia e como a Bahia tem tratado sua Arte Negra?

Ângelo Flávio - Precisamos fazer uma breve retomada histórica. Segundo Christine Douxami, os negros sempre estivaram presentes nos palcos dos teatros no Brasil, mas quando o teatro deixa de ser marginalizados, os negros começam a ceder lugar para os atores bancos pintados de preto. Aconteceu exatamente isso aqui, em salvador, em pleno século XX, num espetáculo do TCA.  Depois de Abdias Nascimento, com a criação do Teatro Experimental do Negro em 1944, o cenário tende a mudar. Abdias questiona o protagonismo negro em todas as esferas, para além da cena teatral, e fomenta grandes discussões acerca do teatro negro, da dramaturgia negra e das políticas para arte negra em geral. Thales de Azevedo relata a dificuldade dos negros em fazer teatro desde 1950 em Salvador, Ele afirma a contundente resistência cultural da cidade aos grupos negros com a inquestionável falta de apoio. A Escola de Teatro da UFBA surge em 1956, daí vemos emergir atores como Mário Gusmão em 1958 - na peça O tesouro de  Xica da Silva - e em 1959 , quando a Escola monta o Auto da compadecida de Ariano Suassuna é que Mário se destaca. Em 1971 Godi apresenta a mesma peça. Importante lembrar que na década de 70 o Brasil vivia uma organização contra a ditadura militar vigente, a burguesia questionava o imperativo do poder e nunca se preocupou em discutir as políticas reparatórias para a negritude escravizada. O teatro era o veículo para fomentação das discussões através da provocação estética, daí surgem grupos como o Teatro Negro na Bahia (TENHA/ 1969)  que foram considerados racistas pela imprensa e elite baiana; Palmares Inaron (1976), Grupo de Teatro do Calabar (1983), Quintamci (1994), Bando de Teatro Olodum (1990) , o CTP do SESI (1991) entre outros grupos que, assim como  o Coletivo Abdias Nascimento (CAN -2002), tiveram que resistir ao injusto confronto reacionário das elites baianas que detém o poder estatal e privado no estado. Então, O CAN é o primeiro grupo de Teatro Negro na Bahia, não sei se no Brasil, com formação superior - dentro da Escola de Teatro da UFBA. E isso é um avanço, mas se configura como atraso quando percebemos a ausência de apoio para que este sobreviva, criando mecanismos de pesquisas e registro da tecnologia teatral temática.

Pergunta - Só pra citar dois casos recentes: Luís Orlando da Silva agonizou no corredor de um hospital público e Neguinho do Samba teve seu último atendimento médico num postinho de saúde. Não dá nem para pensar o cinema e a música negra na Bahia recente sem destacar a presença de ambos! Existe alguma outra perspectiva de futuro para os artistas negros que optam pela base que não seja enlouquecer ou agonizar em praça pública como Mario Gusmão, Sérgio Participação e tantos outros?   

Ângelo Flávio - Temos o dever de pensar que SIM, pois do contrário morrerá em nós, toda e quaisquer prospecção de um futuro melhor para todos e todas. Para isto é preciso não deixar os nossos ideais morrerem com o colapso da individuação capitalista, cujo o “salve-se quem puder” pauta paradigmas egóticos que se contrapõe aos direitos humanos. Precisamos nos mirar nas nossas conquistas, para sonharmos as possibilidades de um futuro. Eu tenho fé!

Pergunta - O que é e o que pretende exatamente o ATO ARTE NEGRA REBELADA que acontece em Salvador na sexta feira, 26/08/2011?

Ângelo Flávio - É exatamente isso. É um grito de alerta ao estado e à sociedade civil, para não morremos simbólica e fisicamente. É um grito de beleza frente à barbárie banalizada. Estamos penando para re-existir frente ao massacre físico, simbólico e cultural do povo negro. É preciso um redirecionamento do olhar dos poderes públicos e da sociedade civil para com a produção artístico-negra da cidade. No carnaval temos os piores horários para o desfile, recebemos a menor verba e os menores incentivos da rede privada que reloca a verba pública para a cultura. Mas que Cultura? A cultura que as elites querem prestigiar, a cultura dos grandes camarotes, do Chiclete, de Ivete e outros etes. Na literatura, nas artes plásticas, na dança e nos teatros não há políticas públicas para garantir uma permanência de produção, mas paliativos sustentados a preços da miserabilidade artística. A falta de apoio estatal e privado (verba pública) para as Artes Negras promove uma falta de qualidade técnica e artística que atingem diretamente o povo baiano, gerando assim uma baixo auto-estima do povo negro, uma atrofiação cultural e morte simbólica da memória de um povo. 

Pergunta - Que experiência seu convívio com Abdias Nascimento lhe trouxe? 

Ângelo Flávio - A perspectiva de ser uma continuidade de um sonho possível! De amar fraternalmente a humanidade, assim como Gandhi e Mandela. Ele preparou um almoço especialmente pra mim, em sua casa no RJ, choramos juntos, lamentando os abutres que ainda sobrevivem sobre a fomentação da miséria alheia.

Pergunta - O que faria o inquieto Ângelo Flávio se sentir em equilíbrio com o mundo e com ele mesmo?

Ângelo Flávio - Vou montar um espetáculo falando sobre o nascer do sol !!!


CONTINUA...

Para ler na íntegra:
One People! One Love!!

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